| É hora de repensar a Internet brasileiraO Globo Suzana Liskauskas 18.01.1999 Com um currículo que soma mais de duas décadas de experiência no setor de informática, Raphael Mandarino Júnior ocupa desde agosto de 1997 a cadeira de representante dos usuários no Comitê Gestor, posto anteriormente ocupado pelo professor pernambucano Silvio Meira. Horas antes de deixar Brasília e pegar a estrada rumo às férias na Bahia, Mandarino, que também é secretário-executivo do comitê, respondeu por e-mail às perguntas feitas pelo Info etc., por considerar importante levantar algumas questões sobre a gestão da Internet no Brasil. De acordo com Mandarino, é hora de a sociedade brasileira assumir a responsabilidade sobre a administração da rede no país, sem a tutela do Estado. Em sua opinião, isto poderia ser feito, por exemplo, através de uma Organização Não-Governamental (ONG). O Globo: Por que é mais barato registrar domínios fora do Brasil? RAPHAEL MANDARINO: Quando foi estabelecido o valor do registro no Brasil, fez-se uma pesquisa de preços em todo o mundo para calcular o valor cobrado hoje. Há diferenças no preços, mas não são significativas. Esses valores podem ser reduzidos já em 1999? Sim. Este é um assunto que será discutido antes da próxima emissão de boletos. Temos que identificar os custos cobertos por estas tarifas, aqueles que devem ser bancados pela sociedade e os que devem ficar a cargo do Governo. O InterNic, responsável pelos registros nos EUA, cobra menos pelo registro. Isso não desestimula o registro na Fapesp? Não. O "ponto br" só é registrado aqui e é importante como marketing. Além de ser mais fácil conseguir um registro no Brasil do que no exterior, por questões de idioma, acesso, etc. O que o comitê está fazendo com o dinheiro arrecadado? O montante está depositado numa conta especial, da Fapesp, e está sendo usado principalmente para ressarcir a própria Fapesp dos custos dos serviços de registro de domínios: manutenção das bases de dados, do pessoal alocado, dos softwares e de todo o tipo de hardware (computadores, links, linhas). Depositar o dinheiro numa conta da Fapesp não cria problemas, já que, na prática, esses recursos estão sob poder do Governo do Estado de São Paulo? Aqui, falo como representante dos usuários. Este assunto tem me preocupado muito, já que na prática os recursos pertencem ao Governo de São Paulo. Graças a Deus o atual governo paulista é sério e não me parece dado a bravatas, mas temos que resguardar os interesses dos usuários. Por problemas próprios do serviço público, estes recursos estão numa conta especial e não estão sendo aplicados no mercado financeiro. Como se pode mudar isso? Estamos maduros para assumir as responsabilidades da gestão da Internet brasileira sem a tutela do Estado, através, por exemplo, de uma ONG, em que a presença do Governo fosse a mínima possível. Pode soar estranho, neste país cartorial e tutelado pelo Estado, algum organismo funcionar afastado do poder público, mas é possível. A Internet é prova disso. A decisão de manter o Sistema Telebrás afastado do provimento de acesso discado gerou empresas (mais de 700), empregos (mais de 10.000) e os aproximadamente dois milhões de usuários. Se Sérgio Motta e Israel Vargas, ministros da época, não tivessem tomado essa decisão, teríamos provavelmente uma enorme fila para acesso à Web e talvez um mercado negro de IPs. Qual a posição oficial do comitê sobre a exigência de CGC para abertura do domínio "com.br"? A exigência desagrada alguns, mas é benéfica para a maioria dos usuários. Como iniciamos nossa Internet comercial muito tarde (julho de 1995), evitamos repetir os erros que ocorreram em outros países, e este é um deles. Estamos nos antecipando à discussão entre marcas, patentes e domínios, que preocupa todo os países. Ao solicitar o número de um CGC vinculando-o ao registro de alguns poucos domínios, evitamos o registro prévio e oportunista de marcas. Diminuímos, portanto, a possibilidade de comercialização não ética daqueles domínios. No mais, conseguimos manter aqui a regra "quem chegar primeiro, leva", como acontece no resto do mundo. Por que é importante uma participação maior da sociedade? Os tempos românticos estão chegando ao fim, devido sobretudo às seguintes ações do Governo americano: preconizar tarifas zero para comércio eletrônico, posição que o Brasil rebateu brilhantemente na OMC; interferir no problema InterNic e no board; e restringir exportação de criptografia forte (mais de 128 bits). Tudo aliado ao fato de se estar preconizando apenas uma entrada na Web para a Internet II. É preciso pensar na eficácia de um embargo de informações que o conjunto destes fatores proporcionam. É tempo de repensar a Internet brasileira. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) pode acabar com o comitê? Acho natural que um setor fechado, como sempre foi o das telecomunicações no país, continue, por um tempo, buscando assenhorear-se de todas as atividades que direta ou indiretamente estejam em sua área de influência. A legislação mudou, mas as cabeças dirigentes são as mesmas. Vejo os grupos de estudo da Anatel sobre comércio eletrônico, infra-estrutura, etc. como um fator positivo. Eles ajudam a mapear a atuação da agência. Entretanto, estes mesmos grupos podem, por serem constituídos em sua maioria por membros oriundos do modelo anterior, não refletir os reais anseios da sociedade. Não oficialmente, tenho escutado declarações de que a Anatel não tem interesse na gestão da Internet. Sua preocupação é com a infra-estrutura. Acho que, com a sábia decisão presidencial de manter o Ministério das Comunicações, a Anatel pode liberar-se dos aspectos políticos e concentrar-se em difíceis aspectos técnicos, acelerando a competição e realizando estudos para reduzir o que pagamos por linhas de dados, por exemplo. O Comitê vem cumprindo a sua função, mas sua atuação ainda é tímida e limitada, pois trata-se de um órgão de assessoramento de dois ministros. As atividades executivas são exercidas na velocidade possível, nem sempre aquela que nós, usuários, gostaríamos. Por que a RNP criou um espelho dos registros em Brasília? Por dois motivos: segurança e precaução. Segurança, porque duplicidade de dados críticos é uma boa regra em qualquer organização. E precaução, porque a Fapesp pode, por razões financeiras ou políticas, receber uma ordem para vir a interromper aquela prestação de serviços. fonte: http://www.oglobo.com.br/ |