| A Internet II e a UniversidadeJornal da UFRJ 01.05.2000 Profundas transformações tecnológicas vêm alterando rapidamente as relações políticas, econômicas e sociais entre países e cidadãos neste fim de milênio. A Internet, notoriamente, é a maior delas. Criada na década de 70 para uso militar, com a finalidade básica de envio de correio eletrônico, ela alcançou níveis de desenvolvimento, disseminação e importância que levaram, em 1996, à necessidade de implantação de uma nova rede, instalada em fibras capazes de transmitir maior quantidade de dados com mais velocidade. O projeto, chamado Internet 2, é tratado de forma estratégica pelo governo americano e expande a fronteira do universo virtual com um número incontável de novas possibilidades. Nos EUA, é o setor acadêmico quem lidera o desenvolvimento de pesquisas em infra-estrutura e aplicações. Atualmente, o projeto congrega cerca de 170 universidades e centros de pesquisa do país, além de aproximadamente 70 instituições que participam de forma colaborativa. Entre elas, grandes empresas do ramo, que disponibilizam recursos e estão interessadas em transformar em produtos as tecnologias que vêm sendo desenvolvidas, tão logo a nova rede chegue ao uso comercial, o que está previsto para acontecer no prazo de dois anos. Há pouco mais de um mês, o Brasil, através da Rede Nacional de Pesquisa (RNP), instituição ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e que vem participando dos encontros do Projeto Internet 2 desde seu início, assinou o Memorando de Entendimento, documento que determina oficialmente sua conexão a essas redes experimentais que vêm sendo desenvolvidas por alguns países, o que deve acontecer no próximo semestre, quando haverá fibra ótica disponível para tal. Enquanto isso não acontece, o Governo brasileiro, através do programa Sociedade da Informação, procura estudar as formas de se organizar para acompanhar o ritmo das mudanças que se sucedem a reboque dessas inovações e se capacitar para gerar resultados positivos internamente e competitivos em nível internacional. O modelo de introdução e desenvolvimento deste novo paradigma de tecnologia da informação em solo nacional segue o exemplo americano e, igualmente, o das primeiras ligações brasileiras à Internet. Ou seja, tem o meio acadêmico como mola vital para criar as suas condições de existência. Entre as oportunidades que se criam e a responsabilidade de ser o agente principal deste processo, membros do meio acadêmico procuram manter as expectativas positivas, mas ainda consideram tímidos os investimentos. "Parece que agora está se configurando uma política de apoio mais efetiva. O processo é lento mas caminha num sentido positivo e muita coisa acontece a partir das novas possibilidades da Internet 2", acredita o professor Eugenius Kaszkurewicz, diretor de pós-graduação da COPPE e membro convidado do programa Sociedade da Informação. Ele lembra, no entanto que, apesar de a pesquisa e a pós-graduação brasileiras atingirem níveis significativos no âmbito dos países em desenvolvimento, a Universidade sofre com uma falta de recursos crônica e um dos principais pontos deste problema diz respeito à infra-estrutura, que vem se deteriorando e para a qual há uma dificuldade natural de arrecadação de verbas. Segundo a opinião do sub-reitor de ensino e pós-graduação da UFRJ, Professor Antônio Figueiredo, se for feito um esforço significativo no sentido de reestruturar a universidade, esta pode ser uma chance de o País se posicionar na linha de frente da hierarquia internacional. "Do ponto de vista científico, o conhecimento é acumulativo, mas em termos tecnológicos o que acontece é um salto. Como esta tecnologia é muito nova e a sua base científica é dominável, acredito nessa possibilidade." Ele recorda, porém, que o Brasil perdeu sucessivas oportunidades nesse sentido, como por exemplo no desenvolvimento da microcomputação e, mais à frente, na programação de softwares. "Houve um fechamento das fronteiras e não se fez o esforço necessário para entrar na concorrência. Resultado: ficamos defasados e dependentes dos produtos estrangeiros." Figueiredo enxerga quatro grandes questões que precisam ser consideradas para a reestruturação da Universidade neste momento: o crescimento de sua estrutura, a manutenção da qualidade de ensino, a renovação dos conteúdos e a inserção social. "Esta é uma revolução tecnológica análoga a outras, mas desta vez é preciso enfrentar o desafio de educar a população, já que estão sendo destruídos postos de trabalho de baixa qualificação e criados outros de alta. O Diretor de Tecnologia da FIESP Flávio Grynspan concorda. Ele destaca que a Universidade deve assumir um papel mais amplo, formando mão-de-obra especializada numa escala maior, mas também expandindo sua ação para além do campus, penetrando nos meios de comunicação e apoiando a educação de forma continuada. "É o momento de rediscutir a sua função social", completa. Ele foi convidado pela reitoria para, assim que houver uma melhor "conectividade" no campus da Ilha do Fundão, promover o Dia da Internet, a fim de gerar uma consciência das novas possibilidades de aplicação nas várias áreas de conhecimento. "Vamos mostrar como a Internet 2 poderá ser utilizada para resolver alguns problemas e apresentar uma lista das pesquisas que são desenvolvidas em outros países para que os interessados identifiquem seus possíveis parceiros." Grynspan frisa a importância de, ao projetar o futuro do País, ter em conta as questões sociais que o afligem. "É preciso buscar uma forma de distribuir este conhecimento. Um caminho é melhorar a qualificação em toda a cadeia produtiva, mas também é fundamental fazer com que as facilidades provenientes da rede cheguem aos menos privilegiados, através dos serviços hospitalares e escolas, por exemplo. O resultado deste salto tecnológico pode vir a ser perverso para um país com um modelo de concentração de renda como o nosso". Outra questão relevante para que o Brasil se beneficie do crescimento da economia mundial que se dá neste momento, como apontam os recentes altos índices de produtividade verificados na economia dos EUA, é a articulação mais estreita do Governo e meio acadêmico com o setor privado. Segundo a vice-presidente do CNPq para ciências humanas, Alice Rangel, há uma enorme dificuldade por parte das empresas - principalmente pequenas e médias - de visualizar como os resultados provenientes de investimentos em conhecimento científico agregam-se às suas atividades. "O MCT vem incentivando a relação Universidade-empresa para gerar essa postura. O conhecimento se torna, cada vez mais, uma questão central na sociedade, e a inovação tecnológica passa a ser essencial para elevar as taxas de competitividade empresarial", explica. Realmente, o relacionamento pouco estreito é comprovado por dados: enquanto nos EUA 70% dos cientistas estão em empresas privadas, no Brasil apenas 11% da comunidade científica ocupam postos neste setor, enquanto cerca de 73% dedicam-se ao ensino superior como docentes. São informações apresentadas pelo presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), Eduardo Gouvêa Vieira, em um artigo publicado no jornal O Globo. Ele se queixa dessa pouca atenção conferida ao recrutamento de pesquisadores e cientistas e lembra que isso leva a uma crescente "deserção de talentos para países como Estados Unidos, Alemanha e Inglaterra". "O que acontece é que deixamos de utilizar os conhecimentos de gente que compreende a realidade brasileira e que disporia da capacidade para agregar valor ao que é produzido aqui", completa. O desafio de evitar a evasão criticada por Vieira parece ainda maior se for analisado o mercado de trabalho externo. Uma projeção do mercado de tecnologia da informação indica que, em quatro ou cinco anos, a formação de recursos humanos interna não dará conta de suprir as suas demandas, e as regras de aceitação de estrangeiros trabalhando no país já vêm sendo relaxadas. Bom para os profissionais da área, que com mais opções têm seus passes valorizados; ruim para um país como o nosso, que, provavelmente além de não suprir suas necessidades internas, deverá estar preparado para perder profissionais para o mercado externo.
fonte: http://www.jornal.ufrj.br/HP4/capa1.html |