| Dante e GéantAgência Estado Michael Stanton 22.10.2001 Na coluna anterior, de 30 de setembro, foram feitas especulações sobre o futuro das redes de computadores de muito alta velocidade no Brasil, e foi citada a rede Géant (www.dante.net/geant/index.html), como exemplo da nova geração de redes sendo montadas para pesquisa e desenvolvimento (P&D) no exterior. Géant é o mais novo projeto da Dante, empresa estabelecida em 1993 com sede em Cambridge, Inglaterra, por um consórcio de redes nacionais de pesquisa de alguns dos países europeus, para instalar e operar redes de pesquisa pan-européias. O nome Dante é um acrônimo, significando "Delivery of Advanced Networking Technology to Europe" (Entrega de Tecnologia de Redes Avançadas à Europa). Desde sua criação, a Dante tem instalado 3 gerações de rede: TEN-34 (1996), TEN-155 (1998) e Géant (2001), onde cada nova rede vem aumentando a capacidade das conexões internacionais entre as redes nacionais assim interligadas. Estas redes de interconexões têm o papel de viabilizar a colaboração internacional entre pesquisadores dos diferentes países, e vem cimentando com ainda mais força a integração pela qual passa o velho continente. Comparada com os EUA, a Europa sempre vinha padecendo de certas obstáculos a esta integração, pelo menos na área de redes de computadores. Até há poucos anos, as companhias de telecomunicações eram monopólios estatais, e houve muita resistência por parte destas, apoiadas freqüentemente por seus governos, ao uso da tecnologia Internet, desenvolvida nos EUA. Ao invés disto, havia sido desenvolvida e adotada formalmente a tecnologia de comunicação chamada OSI (Open Systems Interconnection), padronizada pela ISO (Organização Internacional de Normas Técnicas). Como foi também o caso no Brasil, onde a situação no final dos anos 80 e início dos 90 era semelhante à européia, a ponta de lança para quebrar a resistência ao uso de tecnologia Internet foi a comunidade de pesquisa (acadêmica), que minou as posições OSI através da criação e operação das suas próprias redes Internet. No Brasil isto começou em 1991/2, mais ou menos na mesma época que na Europa. A rede TEN-34 da Dante, de 1996, usava tecnologia semelhante à adotada pela NSFNET dos EUA em 1990. A rede TEN-155, de 1998, alcançava patamares de capacidade já em uso nos EUA desde antes de 1994. Pode-se ver, portanto, que havia um certo distanciamento entre a situação nos EUA e de interconexão de redes nacionais na Europa. Tudo isto está mudando agora, pois as novas tecnologias de redes ópticas, já discutidas aqui nas colunas de 8 de janeiro e 30 de setembro, estão sendo instaladas na Europa com muito vigor na esteira da desestatização e liberalização da indústria das telecomunicações, e estas trazem consigo enorme redução de custos para os usuários destes serviços. A nova rede, Géant, que interligará as redes nacionais de 33 países, levanta o patamar de velocidades dos 155 a 622 Mbps, usadas na TEN-155, para 10 Gbps (gigabits por segundo) nas conexões principais, que alcançam Alemanha, Áustria, França, Itália, Reino Unido, República Tcheca, Suécia e Suiça, e 2,5 Gbps para mais 6 países (o mapa da topologia da nova rede pode ser encontrada no sítio mencionado no primeiro parágrafo). Este núcleo de 10 Gbps alcança o que atualmente são os limites de velocidades possíveis com equipamentos de produção, e, na verdade, a grande maioria dos países interligados nem chegaram ainda a este patamar, sendo 2,5 Gbps a velocidade típica de acesso à Géant dos principais países. É às vezes difícil internalizar o significado de alguns destes números, pois representam capacidades que eram inimagináveis há poucos anos. Quando começou o uso da Internet no Brasil em 1992, a grande maioria das conexões interestaduais era feita com conexões de 9.600 bps. Se tivéssemos hoje uma rede de 10 Gbps, estaríamos falando de um aumento de capacidade de um milhão de vezes em menos de 10 anos. Como já foi dito aqui em outras ocasiões, isto pode representar um aumento do número de usuários fazendo a mesma coisa que antes. Mas isto não é o que acontece. Em 1992, os serviços eram limitados ao correio eletrônico simples (sem "attachments"), e à transferência de arquivos, desde que o usuário tivesse muita paciência. Hoje, temos, além de correio multi-mídia, o uso de WWW, a transmissão de voz, música e vídeo em tempo real, e aplicações ainda em desenvolvimento que incluem a telepresença, laboratórios virtuais e a construção de grandes sistemas de processamento distribuído. Esta classe de novas aplicações é chamada genericamente de Internet2, depois do projeto dos universidades norte-americanas que tem este nome (www.internet2.edu). Comparado com os problemas de integração européia, o Brasil tem vantagens e desvantagens. As vantagens se derivam de já possuir uma unidade política estável, o que facilita construir projetos nacionais de grande alcance. Por outro lado, na área de redes de computadores, as grandes distâncias interestaduais oneram o custo das telecomunicações, pois requer mais cabos ópticos e mais equipamentos de repetição e regeneração de sinais do que em ou entre países menores. Felizmente, o país precisa desta infra-estrutura, e ela vem sendo montada em ritmo acelerado. Neste final de 2001, há otimismo que a comunidade de pesquisa nacional também volte a ter condições de dar saltos de desenvolvimento nas suas redes de comunicações. Depois do sucesso dos projetos ReMAV (Redes Metropolitanas de Alta Velocidade), financiados pelo Ministério de Ciência e Tecnologia a partir de 1998, que criaram redes de 155 Mbps ligando entidades de P&D em 14 cidades diferentes, está sendo lançada esta semana uma nova chamada de projetos de aplicações em redes de alta velocidade, para consórcios compostos por universidades e empresas (www.cnpq.br). Ainda há expectativas de haver em breve outras iniciativas para enriquecer a infra-estrutura de apoio a estas atividades, na forma de adoção de tecnologias mais avançadas de comunicação em ambientes metropolitanas e interestaduais. Como vem sendo o caso desde 1992, as redes acadêmicas estão mostrando o caminho para as futuras redes de uso geral, através da montagem de uma espécie de projeto piloto. É encorajador saber que a comunidade de P&D consiga manter esta posição de vanguarda no nosso país, apesar das suas dificuldades conhecidas, e que a situação no Brasil continua evoluindo e acompanhando os avanços sendo realizados no exterior. Michael Stanton (michael@ic.uff.br) , que é professor titular de redes do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense, escreve neste espaço desde junho de 2000 sobre a interação entre as tecnologias de informação e comunicação e a sociedade. Os textos destas colunas estão disponíveis para consulta. fonte: http://www.estadao.com.br/tecnologia/coluna/stanton/2001/out/22/58.htm |