| De volta ao FUSTAgência Estado Michael Stanton 20.01.2002 Ao realizar-se a privatização do monopólio estatal dos serviços de telefonia fixa nos anos 1990, era um dos objetivos principais da reforma promover a "universalização" destes serviços. Definiu-se que as "obrigações de universalização são as que objetivam possibilitar o acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público a serviço de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição socio-econômica, bem como as destinadas a permitir a utilização das telecomunicações em serviços essenciais de interesse público" (art. 79 da Lei Geral das Telecomunicações de 1997). Para "cobrir a parcela do custo exclusivamente atribuível ao cumprimento das obrigações de universalização de prestadora de serviço de telecomunicações, que não possa ser recuperada com a exploração eficiente do serviço", era previsto o uso de recursos orçamentários do governo, bem como de um fundo específico, que acabou sendo chamado de Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), criado pela lei 9.998 de 17 de agosto de 2000 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9998.htm). A receita deste fundo é 1% da receita operacional bruta das operadoras, além de 50% das receitas da Anatel, referentes a concessões de serviços públicos, exploração de serviços privados e direito de uso de radiofreqüência, até o limite de R$700 milhões por ano. É bastante dinheiro. Segundo essa lei, "os recursos do FUST serão aplicados em programas, projetos e atividades que estejam em consonância com plano geral de metas para universalização de serviço de telecomunicações ou suas ampliações ...". Entre as ampliações especificamente previstas na lei que mais atraíram atenção nos últimos dois anos estão incluídas:
A lei ainda especifica porcentagens mínimas de investimento em certos setores: 30% para as regiões Norte e Nordeste, e 18% para estabelecimentos públicos de ensino. Cabem ao Ministério das Comunicações a formulação das políticas e prioridades de aplicação de recursos do FUST, e à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) a implementação, acompanhamento e fiscalização dos programas, projetos e atividades financiados com estes recursos. Em 2001, quando já estavam disponíveis para investimento uns R$500 milhões da arrecadação do FUST do ano anterior, houve muitas propostas de como usar este dinheiro, especialmente nas áreas de saúde e educação, explicitamente privilegiadas pela legislação. Nesse ano a Anatel lançou um edital que previa levar a Internet para 13.000 escolas públicas do ensino médio e profissional. O edital previa a aquisição de computadores para equipar laboratórios nas escolas e a conexão destas à Internet. Entretanto, embora tenham louvado as intenções, muitos observadores questionaram os meios propostos para pô-las na prática. Na época eu havia indicado numa coluna publicada neste espaço a leitura de uma série de artigos publicados em outro local pelo professor Sílvio Meira da UFPE, antigo autor desta coluna Sociedade Virtual. Na época ele era publicado no agora finado No Ponto (http://www.no.com.br), e desde março de 2002 mantém coluna semanal no seu próprio sítio meira.com. Continuam importantes para entender o impacto da iniciativa da Anatel suas colunas de março de 2001: Acesso Universal à Rede: faltaria mais política à ação? (09/03/2001), Acesso universal: o tamanho da solução (16/03/2001), e Acesso Universal: Todos na Rede! (23/03/2001). Entre os pontos que Sílvio abordou nessa época estavam a falta de planejamento integrado que seria desejável em tamanha expansão da Internet no país. Numa época quando apenas uns 350 municípios contavam com acesso discado local à Internet – para os demais 5.500 o acesso envolvia chamadas interurbanas, a extensão de acesso Internet às escolas, bibliotecas e estabelecimentos de saúde de milhares de municípios seria uma oportunidade ímpar para cuidar da verdadeira universalização de acesso a esta forma moderna de comunicação. O outro aspecto mais polêmico tratava da especificação dos computadores a serem instalados nas escolas, e especialmente a escolha do software, onde Anatel havia indicado uma preferência pelos produtos da empresa Microsoft. Sílvio e outros comentaristas na época defendiam outras alternativas para o software, e havia inclusive projetos apresentados de desenvolvimento de computadores de baixo custo, que poderiam ser viabilizados se fosse aproveitada a oportunidade representado pelos recursos do FUST para adotar uma política industrial para este setor. Já passaram dois anos e terminou o governo FHC. A iniciativa da Anatel de 2001 foi efetivamente bloqueada por ação na justiça e no Congresso pelo deputado federal Sérgio Mirando (PC do B, MG), e pelo impacto do calendário eleitoral de 2002. O governo agora é outro, e o bolo de dinheiro acumulado no FUST desde o ano 2000 já supera R$ 2 bilhões. (Segundo a lei do FUST, o dinheiro não investido continua disponível no fundo.) E o novo ministro das comunicações já começou seu mandato anunciando a intenção do governo de colocar "Internet rápida" nas escolas. Novamente foi Sílvio Meira que primeiro nos alertou ao perigo de repetir a situação de dois anos atrás, partindo para a solução setorializada de atender apenas as escolas e tratando de forma independente as outras aplicações nas áreas de saúde, bibliotecas e outras áreas de interesse público e, eventualmente, privado (como provedores Internet) na grande maioria de municípios deste país. Seu último artigo A internet nas escolas [e em muitos outros lugares], de novo volta a pregar a necessidade de adotar uma forma integrada de levar acesso Internet às cidades do interior. Hoje é mais claro do que há dois anos que o futuro da Internet se baseia no aproveitamento de novas tecnologias de comunicação, baseadas em redes de fibra óptica, de baixo custo, interligando os principais prédios e instituições das cidades, e possibilitando organizar em escala municipal a integração de serviços de informação. Como já tivemos oportunidade de mencionar em colunas anteriores, o país que mais claramente adotou esta maneira de tornar público e universal o aproveitamento das redes de computadores é o Canadá, onde os governos, tanto o federal como das províncias e das cidades, juntos propelam este país para a dianteira mundial. O principal propagandista da iniciativa canadense é Bill St Arnaud da Canarie (www.canarie.ca), que é uma organização não governamental contratada pelo governo federal do Canadá para projetar, implantar e operar a rede acadêmica daquele país, conhecida como CAnet4 (http://www.canarie.ca/canet4/index.html). O sítio da Canarie apresenta uma grande riqueza de informações sobre seus projetos, resultados e expectativas. Para a Canarie, o provimento de Internet às escolas só faz sentido dentro de um programa mais amplo de estender acesso Internet para atender as necessidades públicas e privadas na população. No centro da sua visão do futuro do uso da comunicação é uma mudança fundamental da maneira que é provida a infra-estrutura de comunicação. Tradicionalmente esta vem sendo fornecida pelos provedores de telecomunicações, que prestam serviços aos usuários finais. Na visão canadense, a infra-estrutura do futuro consistirá de uma malha de fibras ópticas que se estenderá a cada domicílio, empresa e instituição pública no país, muito como a malha rodoviária, de propriedade e administração públicas, e, como na malha rodoviária, a oferta de serviços será a responsabilidade de indivíduos e de organizações públicas e privadas (http://www.canarie.ca/advnet/cen.html). Central a esta visão é a opção tecnológica da Internet, baseada na utilização de redes gigabit Ethernet, hoje os mais econômicos em termos de custo-benefício. Já é possível defender esta opção baseado em motivos econômicos. Numa apresentação feita em dezembro de 2001, St Arnaud detalhou os custos de informatizar as escolas da cidade de Des Affluents, perto de Montreal. As alternativas consideradas eram o modelo tradicional de acesso de faixa larga usando tecnologia ADSL, oferecido como serviço no Brasil como Speedy da Telefônica e Velox da Telemar, e o uso de gigabit Ethernet sobre fibra óptica. Foi possível mostrar que os custos de instalação das fibras apenas até as escolas eram inferiores ao custo de contratar o serviço ADSL por 3 anos. Com a participação de outros usuários das fibras, caiu para a metade o custo de sua implantação. Mas há outros benefícios significativos. Com a interconexão das escolas em velocidade de rede local, é simplificada a escolha dos equipamentos, pois é possível substituir mais de cem servidores (de arquivos, de acesso a bases de dados, etc.) localizados nas próprias escolas por cinco servidores localizados no prédio da prefeitura municipal. Isto contribui também para reduzir os custos de manutenção e operação, com a necessidade de menor número de técnicos especializados (e caros), além dos custos de software. Finalmente, a existência de uma rede avançada Internet entre as escolas possibilita também outros serviços de comunicação, como por exemplo a telefonia por meio desta rede. Uma análise mais completa deste caso se encontra em http://www.sura.org/events/2001/optical/starnaud.ppt. Há óbvias diferenças econômicas entre Canadá e Brasil, mas as alternativas tecnológicas apresentadas a ambos países não são tão diferentes hoje em dia. Já há domínio no país das tecnologias usadas no Canadá, e muitos dos insumos já são fabricados aqui. É totalmente procedente a admonição de não correr para adotar a primeira solução que aparece para resolver a questão da "Internet nas escolas". Se forem usados sabiamente os recursos colocados à disposição da sociedade por meio do FUST, o impacto social poderá ser multiplicado muitas vezes, atendendo também outros alvos previstos na lei que o originou. Michael Stanton (michael@ic.uff.br), que é professor titular de redes do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense, escreve neste espaço desde junho de 2000 sobre a interação entre as tecnologias de informação e comunicação e a sociedade. Os textos destas colunas estão disponíveis para consulta. fonte: http://www.estadao.com.br/tecnologia/coluna/stanton/2002/ago/05/85.htm |