| O Projeto GIGA: um experimento nacional em redes ópticasAgência Estado Michael Stanton 05.08.2002 Uma preocupação constante desta coluna é com o futuro das comunicações no país. O desconforto hoje das empresas tradicionais das telecomunicações, tratado na coluna de 21 de julho, é conseqüência da revolução nas comunicações, cuja expressão mais característica é a própria Internet. Antes da Internet, as comunicações foram limitadas aos serviços tradicionais de telefonia oriundos do século 19. Com ela, a comunicação se tornou digital e extremamente maleável, podendo assumir formas e servir propósitos antes só sonhados. Esta mudança tecnológica aliada à necessária libertação das comunicações de gestão monopolista, que era estatal na maioria dos países, abriu oportunidades para inovar e para a entrada de novos participantes, tanto como fornecedores ou criadores de novas soluções, como de consumidores e usuários destas. Na coluna de hoje volta-se a discutir o tema de comunicação óptica, já abordado nas colunas de 8 de janeiro de 2001 e de 30 de setembro de 2001. No ano passado, começou a discussão na comunidade nacional de pesquisa e desenvolvimento (P&D) sobre como deveria ser a resposta desta comunidade perante as oportunidades e desafios apresentados por acesso a tecnologias de comunicação com centenas ou milhares de vezes a capacidade atualmente disponíveis. Por exemplo, a FAPESP criou um programa chamado TIDIA – Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (http://tidia.fm.usp.br), para financiar P&D nas áreas de comunicação óptica e conteúdos para redes avançadas. Este programa tem como objetivo principal canalizar para estas áreas a energia de pesquisadores, e dar ênfase à formação de recursos humanos. Um dos prováveis atividades do programa será a montagem de uma espécie de laboratório de transmissão óptica entre as cidades de Campinas e São Paulo, utilizando a capacidade de dezenas de fibras ópticas, potencialmente com características diferentes entre si, que comporiam a conexão experimental a ser montada. Além de transmissão óptica, o programa TIDIA também se preocupa com os conteúdos da rede a ser montada, ou seja, com a finalidade da rede em termos de serviços que se tornarão disponíveis. A TIDIA é um programa do estado de São Paulo. Uma outra iniciativa importante é a Projeto GIGA, que foi recentemente acolhido para financiamento pelo Fundo de Tecnologia das Telecomunicações – FUNTTEL, fundo federal destinado a promover o desenvolvimento das telecomunicações, que é capitalizado com a receita de 0,5% do faturamento das operadoras de telecomunicações. O Projeto GIGA é uma iniciativa que pretende tornar realidade a propalada "convergência" entre as áreas de telecomunicações e informática, e combina os recursos intelectuais destas duas áreas da nossa comunidade de P&D, representadas na gestão do projeto pela Fundação CPqD – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (http://www.cpqd.com.br) e pela RNP – Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (http//www.rnp.br). O CPqD foi criado em 1976 como centro de referência nacional para P&D na área das telecomunicações, que era então um monopólio estatal. Depois da desestatização da indústria nos anos 1990, tornou-se uma fundação, sustentada por serviços prestadas à indústria, e por dotações significativas de recursos do FUNTTEL, previstas em lei. A RNP foi quem tornou a Internet uma realidade nacional há dez anos. Recentemente foi reconhecida legalmente como Organização Social, e gere recursos do MEC e MCT para oferecer e ainda desenvolver serviços Internet para a comunidade nacional de ensino e pesquisa. O Projeto GIGA propõe desenvolver atividades de P&D, a serem contratadas por grupos de pesquisadores habilitados, e também estabelecer uma rede experimental de alto desempenho que interligue aqueles grupos de pesquisadores localizados em instituições nas cidades de Campinas, São Paulo, São José dos Campos e Cachoeira Paulista e na região metropolitana do Rio de Janeiro. Esta rede será utilizada como um laboratório para desenvolver tecnologias de comunicação nesta bravo mundo novo, onde os modelos tradicionais estão caducando. Será usada também de maneira consorciada por empresas e instituições de P&D para gerar tecnologias que tragam competitividade às empresas brasileiras. Finalmente servirá de modelo e exemplo para a oferta de novos serviços de comunicações para a sociedade. O projeto contará com a participação de algumas operadoras de telecomunicações, que pretendem tornar disponíveis acesso às fibras ópticas "apagadas" necessárias para a montagem da rede. Ao invés da operadora prover um serviço de telecomunicações, como é feito usualmente, o projeto iluminará as fibras "apagadas" com equipamentos próprios. Já existe pelo menos uma empresa brasileira, chamada Padtec (http://www.padtec.com.br), que desenvolveu e comercializa equipamentos de transmissão óptica de alta velocidade, e ela vem desenvolvendo novos produtos, alguns dos quais poderiam ser testados e demonstrados no laboratório sendo criado pelo projeto. Os principais equipamentos desta empresa são de "multiplexação óptica", que é uma técnica que possibilita usar uma única fibra óptica para a passagem simultânea de feixes de luz de diferentes comprimentos de onda, ou seja, de cores diferentes. Esta multiplexação é uma mágica que multiplica tremendamente a efetiva capacidade de uma fibra óptica, e é responsável pelo enorme aumento de capacidade das redes de comunicação nos últimos dez anos. Para dar uma idéia do potencial disto: hoje não é raro encontrar equipamentos que permitem multiplexar 160 cores de luz na mesma fibra, e usar cada feixe para transmitir a uma taxa de 10 gigabits por segundo, resultando numa capacidade total de 1,6 terabits por segundo, ou, se preferir, 1,6 milhões de megabits por segundo. Na sua fase inicial a rede do Projeto GIGA será mais modesto do que isto. Provavelmente utilizará apenas seis ou oito cores entre Campinas e Rio de Janeiro, com cada uma carregando dados a 1 gigabit por segundo. É interessante observar que apenas uma conexão destes já representa quatro vezes a capacidade total da RNP hoje. Se tudo correr bem, deverá ser alcançado um patamar de 10 gigabits por segundo em 2004. Está se imaginando que esta arquitetura de rede seja apropriada para futuras gerações da rede acadêmica, e, por que não, de outras redes Internet. Este projeto também dará atenção ao desenvolvimento de conteúdos, ou seja, aplicações e serviços que possam aproveitar as novas possibilidades deste laboratório. Entre estes se encontram as aplicações multimídia de tempo real, especialmente a colaboração visual e o uso de realidade virtual remotamente, com aplicações potencialmente nas áreas de educação e saúde. Uma outra área muito interessante é a articulação coordenada de recursos computacionais espalhados nos laboratórios das diferentes parceiros para cooperar na solução conjunta dos problemas comuns. Hoje em dia, esta abordagem está ganhando mais adeptos como uma forma mais econômica de realizar processamento de alto desempenho, por usar grande número de computadores pequenos, e portanto baratos, interligados por redes avançadas – a arquitetura é conhecida como computação em grade, da palavra grid usada em inglês. Problemas grandes que poderão ser resolvidos desta forma são encontrados nas áreas de geociências, engenharia, genética e física, entre outras. Condições adequadas para P&D como aquelas providas através da Projeto GIGA e do Programa TIDIA são essenciais para permitir que o Brasil não fique para trás na exploração e aproveitamento das oportunidades apresentadas pela revolução nas comunicações. Estas iniciativas são importantes porque abrem caminhos que libertam os pesquisadores das restrições antes presentes, possibilitando trabalhos sérios nestas áreas, antes inviáveis. Michael Stanton (michael@ic.uff.br), que é professor titular de redes do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense, escreve neste espaço desde junho de 2000 sobre a interação entre as tecnologias de informação e comunicação e a sociedade. Os textos destas colunas estão disponíveis para consulta. fonte: http://www.estadao.com.br/tecnologia/coluna/stanton/2002/ago/05/85.htm |