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A Internet faz 20 anos e o Brasil inova


Agência Estado

Michael Stanton

16.12.2002


Além da posse do novo presidente da república, o dia 1º de janeiro de 1983 marca o vigésimo aniversário do início da operação plena da Internet, em substituição à tecnologia NCP (Network Control Protocol), criada originalmente para a ARPANET a partir de 1969. A ARPANET foi a primeira rede operacional usando a comutação de pacotes, e serviu para demonstrar a eficiência desta alternativa para estruturar redes de comunicação, comparada com a comutação de circuitos ainda utilizada na rede de telefonia. A Internet, baseada nos protocolos TCP (Transmission Control Protocol) e IP (Internet Protocol), simplificava a construção de redes muito grandes e heterogêneas, pois dividiam em duas as preocupações com a rota a ser seguida pelas mensagens (IP) e com a confiabilidade da sua entrega ao destinatário (TCP). Uma das conseqüências disto era a relativa facilidade de admitir que uma rota fosse composta de uma concatenação de enlaces usando diferentes tecnologias de comunicação, de importância crescente. Hoje em dia, estamos acostumados a poder usar nossos computadores ligados à Internet de diferentes maneiras (por telefone analógico ou digital, ADSL, rede local, rede local de rádio (WiFi), GPRS (associado à telefonia celular com o padrão GSM), e assim em diante), além de usar redes backbone de várias tecnologias. A separação entre TCP e IP era feita justamente para tornar mais flexível a adaptação a novas maneiras de estabelecer enlaces, pois isto apenas afetava apenas o componente IP, continuando TCP insensível a esta escolha.

Voltando a 1983, a migração da ARPANET para a Internet foi planejada num documento histórico, RFC 801, redigido em novembro de 1981 pelo saudoso Jon Postel. No documento era prevista a transição do NCP para TCP/IP, para concluir-se em 1/1/1983. Era discutidos como deveriam ser mantidos durante a transição os principais serviços prestados ao usuário (correio eletrônico, transferência de arquivos e terminal virtual). Naquela época isto seria mais fácil, pois somente havia 250 computadores na rede! Hoje o número cresceu para mais de 100 milhões e continua a crescer, tendo a Internet se tornado parte integrante do cotidiano de tantas pessoas e atividades, inclusive no Brasil, onde a Internet apareceu timidamente em 1991, e para valer no ano seguinte (v. coluna de 25 de abril).

Os dez anos da Internet no Brasil e os 20 anos no mundo formam o contexto para o reconhecimento público no Brasil da importância de promover seu futuro desenvolvimento com esforços próprios. Há vários anos se discute de que forma será efetivamente realizada a propalada convergência digital, juntando-se as redes das telecomunicações com as redes de informação. Durante pouco mais de um ano propõe-se aproximar num mesmo projeto de pesquisa e desenvolvimento as principais instituições nacionais das duas áreas, para que, juntas, contribuam para a futura comunicação entre nós. Como noticiado neste espaço em 5 de agosto, a proposta deste "Projeto Giga" foi acolhida liminarmente em junho pelo conselho gestor do FUNTTEL (Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações), que aprovou investimento de aproximadamente R$55 milhões nos próximos três anos. O detalhamento desta proposta e sua análise já foram realizados, e em novembro o projeto foi aprovado e deverá começar ser realizado a partir deste mês.

Os principais pontos do projeto proposto foram descritos na coluna de 5 de agosto. Para possibilitar os trabalhos de pesquisa e desenvolvimento, será montada uma rede de computadores experimental no sudeste do país, interligando instituições de P&D localizadas nas cidades de Campinas, São Paulo, São José dos Campos e Cachoeira Paulista e na região metropolitana do Rio de Janeiro. Esta rede utilizará transmissão óptica, por meio de fibras ópticas cedidas por várias das operadoras de telecomunicações instaladas na região, que assim também carrearão recursos para permitir a realização do projeto. A rede terá uma grande capacidade, de pelo menos um gigabit por segundo (1000 Mbps) nos enlaces entre as instituições, e permitirá a realização de aplicações antes inexeqüíveis no país em distâncias interurbanas, tais como a transmissão de vídeo digital de alta definição, ou a efetiva colaboração entre computadores grandes, ou entre dezenas ou centenas de computadores em diferentes locais. A própria tecnologia de rede também será o objeto de estudo, com a intenção de aumentar a capacidade efetivamente disponível, através da multiplexação por comprimento de onda (WDM). Os frutos do desenvolvimento devem reverter-se em forma de protótipos de produtos e serviços avançados, que podem ser transferidos para os empresas fabricantes e operadoras que participam do projeto.

As instituições líderes do projeto são a Fundação CPqD de Campinas (www.cpqd.com.br) e a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) (www.rnp.br). Dois terços do orçamento se destinam ao fomento de atividades de pesquisa e desenvolvimento, e a maior parte disto será repassada para grupos de pesquisadores nas instituições interligadas pela rede experimental, ou que colaborem com estas instituições. Os temas de a serem desenvolvidos serão antes discutidos com a indústria através dos empresas participantes no projeto, e com a comunidade de P&D.

Iniciativas semelhantes são encontradas em vários países. Em 2002, deu-se início a uma rede experimental no Chile, entre Santiago e Valparaíso (250 km de distância pelo caminho das fibras), envolvendo 5 universidades (2 indiretamente) e a REUNA (o equivalente à RNP no Chile), além de duas operadoras de telecomunicações e dois fabricantes de equipamentos. Os objetivos são semelhantes ao projeto brasileiro, embora a economia chilena não conta com uma indústria de fabricação de equipamentos de rede, como já existe no Brasil. Uma descrição do projeto chileno se encontra em redesopticas.reuna.cl.

Numa escala algo maior é o programa IST (Information Society Technologies) da União Européia, que tenta articular a tripla convergência entre as tecnologias de informação, comunicação e mídias. Uma parte importante dos seus recursos se destinam a pesquisa e desenvolvimento em tecnologias de redes avançadas, e estão sendo sustentados diversos projetos na área de redes fotônicas, onde não apenas a transmissão é óptica, como também a comutação. Alguns destes projetos interessantes e inovadores são LION, DAVID, CAPRICORN e STOLAS (v. http://www.ist-optimist.org/proj.asp.)

O Projeto Giga, que vai começar agora, tem o potencial de contribuir para a evolução futura, tanta das nossas redes de comunicações, como da capacidade nacional de projetar e construir soluções para montá-las. Ele apresenta uma oportunidade singular de aglutinar a inteligência nacional nas áreas tradicionalmente separadas de telecomunicações e tecnologia de informação, para encontrar uma síntese que atenda às aspirações e necessidades do país. Como o projeto deve durar 3 anos, até 2005 poderemos ter a confirmação das expectativas nele depositadas. A Internet vai continuar a crescer, mas esta vez poderá ser com um sotaque brasileiro.

fonte: http://www.estadao.com.br/tecnologia/coluna/stanton/2002/dez/16/310.htm

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