RNP - Rede Nacional de Ensino e Pesquisa

english | español


 

 
RNP na Mídia 
 

Ruptura construtiva com o passado


Estado de Minas

Rosa Maria

31.03.2005


Ivan Moura Campos, doutor em ciência da computação pela Universidade da Califórnia, Los Angeles, peso-pesado na Universidade Federal de Minas Gerais, (chefe de departamento, Pró-Reitor de pós-graduação e diretor executivo da Fundação Para Desenvolvimento da Pesquisa- Fundep) teve vários cargos no governo (diretor de Programas Especiais do CNPq, secretário de Política de Informática do Ministério de Ciência e Tecnologia e secretário de Estado também de Ciência e Tecnologia, em Minas Gerais) e uma missão muito especial: elaborar o projeto para a instalação da internet no Brasil.

A rede pipocava por todos os cantos e coube a esse profisisonal mineiro pensar num projeto nacional que, vencendo todas as adversidades, pudesse levar a internet para o maior número possível de cidadãos. O resultado aí está. Ele foi tão bem-sucedido que, em seguida, tornou-se coordenador do Comitê Gestor da Internet no Brasil e diretor da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers, ICANN, órgão máximo que cuida dos domínios da rede mundial. Hoje, outros países (como Quênia, Nigéria, Tunísia e Gana), onde a internet ainda não deslanchou, se espelham no exemplo brasileiro.

Estado de Minas: Há dez anos atrás, coube ao senhor a tarefa de abrir a internet para todos os brasileiros. Como isso aconteceu?

Ivan Moura Campos: Tive o privilégio de participar ativamente desse processo, porque era secretário de Política de Informática, em Brasília, mas é importante que não nos esqueçamos de vários outros atores desta peça. Gente como Renato Guerreiro, Tadao Takahashi, Demi Getschko, Carlos Afonso, Carlos Lucena, Silvio Meira, Eduardo Costa, além, é claro, dos ministros José Vargas (Ciência e Tecnologia) e Sérgio Motta (Comunicações). No início de 1995, a situação era mais ou menos a seguinte: havia a Rede Nacional de Pesquisa, a RNP, operada por universidades; havia apenas um provedor de acesso privado, no Rio de Janeiro, (o Ibase, do Betinho) e a Embratel tinha se lançado como provedora de acesso comercial, mas estava com dificuldades consideráveis para dar conta da fila de candidatos. O que existia e funcionava, de fato, era a internet acadêmica provida pela RNP.

Quais foram as dificuldades encontradas na época? Que surpresas teve? Ivan: Lembre-se de que em 1995 ainda existia a Telebras. Isto significa que as companhias telefônicas nos estados e mais a Embratel eram empresas estatais. A Embratel tinha, à época, o sonho de ser a única e exclusiva provedora de acesso para o mercado comercial e o sistema Telebras estava acostumado a ter autoridade absoluta sobre qualquer coisa que chegasse perto de telecomunicações. No capítulo das surpresas, e encurtando uma história longa, conseguimos ao mesmo tempo desregulamentar e privatizar o mercado de provimento de acesso, além de criar o Comitê Gestor da Internet com duas resoluções assinadas pelos ministros José Vargas e Sérgio Motta, extremamente ousadas: o provimento de acesso à internet é um serviço de valor adicionado e não um serviço de telecomunicações. Por conseguinte, para ser provedor de acesso não há necessidade de autorização ou outorga. Outra: qualquer empresa pode ser provedora de acesso discado à internet exceto as companhias telefônicas.

Por que estas medidas eram ousadas na época?

Ivan: A primeira quebrou um tabu e acabou com qualquer sonho de controle da internet por parte do sistema Telebras. Ainda há muitos países no mundo que consideram o acesso à internet uma atividade de telecomunicações e para ser provedor de acesso é necessário ter autorização governamental. Não surpreendentemente, nesses países a popularização do uso da internet ainda está engatinhando. A segunda medida foi baseada no seguinte raciocínio: se o objetivo era provocar uma grande proliferação de provedores privados, de todos os tamanhos, não faria sentido fazê-los concorrer com as companhias telefônicas de quem eles teriam obrigatoriamente que alugar as linhas telefônicas para dar acesso aos usuários. Como vimos, funcionou.

Qual é a data oficial de instalação da internet no Brasil?

Ivan: A data é 31 de maio de 1995, quando saiu a Nota Conjunta assinada pelos ministros José Israel Vargas e Sergio Motta, definindo os conceitos e "regras do jogo" para participação preferencial da iniciativa privada no provimento da internet comercial. Veja o link www.cg.org.br/regulamentacao/notas.htm. O site do Comitê Gestor dá a entender que a Nota Conjunta é de junho, mas ela foi apresentada ao público em 31 de maio, durante uma entrevista coletiva à imprensa, no auditório do Ministério das Comunicações, e deve ter saído publicada no DOU no dia seguinte, 1º de junho.

O brasileiro sabe usar a rede? Existem diferenças entre o Brasil e outros países usuários?

Ivan: O brasileiro é extraordinariamente adaptado com tecnologia. O fato de termos tido taxas de inflação altas durante muitos anos teve o efeito colateral de acelerar o provimento de serviços em tempo real pelos bancos e todo mundo teve que aprender a lidar com caixas eletrônicos, há mais de 30 anos. Isto, mais o voto eletrônico, a declaração de Imposto de Renda são exemplos de aplicações que atingem uma grande massa da população. Quanto à internet, temos uma penetração ainda pequena, cerca de 15% da população, se comparada com países mais ricos, onde a distribuição de renda não é tão selvagem como no Brasil.

Mas a parcela da população brasileira que tem acesso utiliza a internet com proficiência. Há um exemplo recente que ilustra o entusiasmo incomum desta comunidade com as novidades tecnológicas. O Google lançou o serviço Orkut, que dá suporte à criação de comunidades virtuais. Em poucas semanas, os servidores do Orkut entraram em pane, porque mais de 70% dos usuários eram do Brasil – mais de 20 vezes o número de usuários nos Estados Unidos. Tem gente estudando esse fenômeno como assunto de pesquisa acadêmica, inclusive.

Na sua opinião, a internet é uma idéia bem-sucedida?

Ivan: Mais do que bem-sucedida, é uma tecnologia que provocou uma ruptura construtiva com o passado. O mundo mudou, mudou muito e para melhor com a internet. Para os países em desenvolvimento, como o Brasil, a diferença é ainda maior, porque não tínhamos (como não temos) acesso amplo a boas bibliotecas, e a internet trouxe, principalmente com a Web, o acesso a esse imenso acervo lá disponível.

Dez anos depois, que avaliação tem da internet?

Ivan: Está aí para ficar, é uma tecnologia integradora para onde todas as formas de comunicação e entretenimento vão migrar e faz parte das grandes conquistas da humanidade, sem qualquer dúvida. Do ponto de vista técnico, há coisas a fazer e melhorar, como implementar a nova geração de protocolos e endereços, o IPv6, implementar de forma generalizada as necessárias características de qualidade de serviço, autenticação de documentos e de pessoas, segurança e privacidade contra hackers e vírus e também ter uma solução (mais no campo social do que técnico, creio) para o problema de spam.

O que gostaria de corrigir do seu projeto original ou acrescentar?

Maria Tereza Correia

"Minha preocupação é que uma parcela importante do empresariado mineiro ainda acha que a internet é custo e não investimento" Feliciano Lopes, criador do Mercado Mineiro.

Ivan: Se você está falando do processo de deslanchar a internet comercial no Brasil, em 1995, eu gostaria de ter feito algo que propusemos ao presidente Fernando Henrique Cardoso, mas esta o ministro Sergio Motta bombardeou, porque arrepiou demais o sistema Telebras: queríamos alugar fibra óptica apagada (dark fiber) da Telebras e implementar nós mesmos (a RNP) todas as linhas de comunicação entre as capitais dos estados, a um preço irrisório e, na época, a uma velocidade de 155 mbps.

Qual a maior contribuição da internet ao mundo?

Ivan: Prover uma plataforma simples, interoperável, barata, desburocratizada (por não ter controle central), auto-ajustável, através da qual, eventualmente, todos os habitantes do planeta poderão se comunicar, individualmente ou em grupos, se instruir, se divertir, e até trabalhar.

O senhor acredita que a rede é realmente segura?

Ivan: A internet aberta, ou "nuvem", exige muitos cuidados, não por causa da rede em si, mas por causa da vulnerabilidade dos sistemas operacionais que rodam nos computadores e por onde hackers conseguem obter informações sensíveis, como senhas de contas bancárias, por exemplo. A tecnologia da internet, quando usada em redes privadas, é muito mais segura. Veja o exemplo dos bancos, que realizam todas as suas transações com TCP/IP, mas em redes proprietárias. Nesses dez anos, quais os sites que mais lhe marcaram?

Ivan: A primeira coisa que me marcou muito não foi propriamente um site, mas o primeiro browser, o Mosaic. Com o Mosaic e a Web, surgiram os primeiros sites, tais como os conhecemos hoje. A primeira máquina de busca, o Altavista, hoje uma antigüidade, encantou todo mundo, apesar de a tecnologia de busca daquela época ser incomparavelmente inferior ao que temos hoje com o Google, por exemplo.

Quais são suas previsões para os próximos dez anos?

Ivan: Esta é uma armadilha clássica, e todo mundo erra, mas vamos lá, vou arriscar: na parte de infra-estrutura, a grande mudança será a predominância do acesso sem fio à internet com tecnologias que estão sendo implantadas agora, como WiMax, barato e amplamente disponível, inclusive e principalmente para dispositivos móveis, desde notebooks até handhelds, que farão também o papel hoje desempenhado pelos telefones celulares. Haverá banda suficientemente barata para permitir a transmissão sem fio e recepção de vídeo e de jogos de boa qualidade nesses dispositivos, com interatividade.

Educação não presencial via internet, com conteúdos multimídia estará atingindo sua maturidade com oferta generalizada de conteúdos. Há uma área que é o calcanhar-de-Aquiles desta história de dispositivos móveis em banda larga: a tecnolgia de baterias não está evoluindo na mesma taxa e quanto mais potência tiver o dispositivo, mais rapidamente ele esgotará as necessariamente pequenas baterias hoje existentes.

Daqui há dez anos, lojas e supermercados estarão utilizando identificadores RFID que se comunicam via rádio com o PC local e terão conexão com a internet. Em consequência, o número de coisas conectadas à internet, que vão surgir, nos próximos anos, será brutal.

fonte: http://www.uai.com.br/emonline/estaminas/suplementos/informatica/95596.html

Consulta em noticias